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CONSTRUÇÃO E QUEDA
DO MURO DE BERLIM
Por TEMA DE CINEMA
Publicado em 01 de outubro de 2021
Símbolo maior da Guerra Fria, a construção e a queda do
Muro de Berlim
marcaram a história no século 20 e inspiraram inúmeras obras no cinema, na literatura e na academia. O muro também virou arte nas ruas, como mostramos nas imagens da
East Side Gallery, a maior galeria ao ar livre do mundo. A seguir, conheça a história do muro e veja indicações de filmes e livros sobre o tema.
Fotos: Tema de Cinema
Mapa de Berlim dividida nos lados oriental (comunista) e ocidental (capitalista)
Construído há 60 anos, o Muro de Berlim (Berliner Mauer) foi resultado direto da divisão da Alemanha em territórios de influência dos países aliados, após o final da Segunda Guerra Mundial. Delimitada nas zonas britânica, francesa e americana a oeste, e soviética a leste, o lado oriental deu origem à República Democrática Alemã (RDA), aliada à antiga União Soviética e sob regime comunista. No lado ocidental, organizou-se a República Federal da Alemanha (RFA), alinhada aos países capitalistas liderados pelos EUA.
Boa parte da população alemã, no entanto, não concordava com o novo sistema político-econômico comunista e deu início a um processo de fuga em massa para o lado Ocidental. Entre 1949 e 1961, cerca de 2,7 milhões de pessoas haviam deixado Berlim Oriental, ou seja, quase um sexto da população, na maioria jovens com menos de 25 anos.
À beira de um colapso social e econômico e para impedir o fluxo de refugiados, a RDA deu início à construção de uma barreira na madrugada de 13 de agosto de 1961, inicialmente com arame farpado. Com essa medida, o SED¹ (Partido Socialista Unificado da Alemanha) visava interromper o movimento de fuga, mas obteve pouco sucesso.
Vulneráveis, as barreiras de fronteira em Berlim foram aperfeiçoadas em uma longa parede de cimento em estrutura metálica, que cercava Berlim Ocidental e percorria o centro da cidade. O muro tinha 66,5 quilômetros de extensão, 302 torres de observação, 127 redes metálicas eletrificadas com alarme e 255 pistas de corrida para cães de guarda treinados. Cruzava 24 quilômetros de rios, 30 quilômetros de bosques e interrompia o trajeto de oito linhas de trens urbanos, quatro de metrô e 193 ruas e avenidas.
Patrulhado por militares da Alemanha Oriental, os policiais tinham ordens de atirar para matar (a Schießbefehl ou "Ordem 101"). Estima-se que pelo menos 140 pessoas foram mortas tentando atravessar para o lado ocidental, entre moradores, guardas de fronteira e até crianças inocentes. Dos sobreviventes, 112 foram alvejados ou despencaram do muro e foram presas junto a cerca de 70 mil pessoas acusadas de traição à RDA. Aproximadamente 5 mil pessoas conseguiram furar o cerco e entrar na Alemanha Ocidental.
Também chamado de
Cortina de Ferro
ou
Faixa da Morte, o Muro de Berlim ergueu-se por 28 anos, de 1961 a 1989, quando foi derrubado por multidões. O gesto simbólico marcou um incontrolável movimento popular pela democracia na Alemanha, que se espalhou para outros países do bloco comunista e culminou com o fim da União Soviética.
Capela da Conciliação: a antiga igreja foi demolida dois anos antes da queda do Muro de Berlim porque atrapalhava a visão dos guardas de fronteira. Apenas a cruz no alto da torre manteve-se intacta. Os fiéis a recolheram dos escombros e a esconderam até a democratização do país. Hoje, a igreja foi reconstruída e tornou-se símbolo da reunificação da Alemanha
O muro de Berlim começou a ruir em 1985, quando o advogado e político russo Mikhail Gorbachev foi elevado ao cargo de Secretário Geral do Partido Comunista da União Soviética. De formação stalinista, o novo líder inclinou-se aos ideais da social democracia emergente na Europa, paulatinamente aplicada em seus mandatos de Secretário Geral (1985-1988) e 9º e último presidente da URSS (1988-1991).
Às voltas com problemas econômicos e sociais internos, em 1986, Gorbachev precisou administrar os efeitos da explosão de um reator nuclear em Chernobyl, na Ucrânia. O rígido controle e a ocultação das informações pelo estado soviético sobre o grave acidente resultaram em insatisfação popular e críticas internacionais à falta de transparência da URSS. Chernobyl, portanto, é considerado um dos motores importantes no iminente colapso do bloco comunista. Você pode conhecer esta história na série Chernobyl, na HBO Max.
Ainda em 1986, Gorbachev introduziu reformas de abertura política (Glasnost) e de reestruturação econômica do Estado (Perestroika). Um dos resultados foi a abolição do princípio de soberania limitada dos estados alinhados no Pacto de Varsóvia, a chamada Doutrina Brezhnev². Ao fazer isso, o líder russo possibilitou que os países do Bloco Leste determinassem sua própria política nacional.
No final dos anos 1980, os movimentos de reforma agitavam vários países do bloco comunista na Europa Central e Oriental. Na Polônia, o ativista Lech Walesa³, um eletricista no estaleiro naval de Gdansk, tomou a frente das greves lideradas pelo Solidariedade, foi preso pelo regime e depois libertado, persistindo na resistência até a almejada legalização do sindicato pelo Partido Comunista polonês. Anos mais tarde, com o restabelecimento do regime democrático, Walesa foi eleito presidente da Polônia (1990-1995).
Em 2 de maio de 1989, na Hungria, a população arrancou 240 quilômetros de arame farpado ao longo da fronteira com a Áustria, produzindo a primeira fissura na Cortina de Ferro. Em agosto, a onda revolucionária levou às ruas 2 milhões de pessoas da Estônia, Letônia e Lituânia, nas manifestações pacíficas conhecidas como Revolução Cantada. O movimento formou uma admirável corrente humana de 600 quilômetros por independência da URSS.
Na Alemanha Oriental, embora o SED não aceitasse os rumos das reformas de Gorbachev para a RDA, o partido foi forçado a fazer concessões, incluindo a liberdade de viagem. Após o anúncio incorreto de uma nova lei de emigração, o muro caiu em 9 de novembro de 1989 sob o ataque das multidões. A queda do Muro de Berlim marcou o fim do estado comunista da Alemanha Oriental e a última pá de cal na União Soviética.
Uma curiosidade: quando o muro foi ao chão, o governo da RDA, membros das tropas da fronteira e populares começaram a exibir e comercializar pedaços do muro, vendidos até hoje como souvenir para turistas em Berlim.
Em cada esquina da Berlim atual, há memoriais que lembram os dias sombrios do nazismo e do Muro de Berlim. Na antiga fronteira em Berlim Oriental (Bernauer Strasse), estão localizados o Memorial do Muro de Berlim, a Capela da Reconciliação (ver fotos) e outros monumentos de lembrança da divisão do país.
Considerada a maior galeria ao ar livre do mundo, a East Side Gallery expõe 105 pinturas e grafites de artistas de 21 países em 1,3 km da antiga fronteira preservada. A galeria foi idealizada em 1990, por duas associações de artistas alemães, a VBK e a BBK, com a intenção de preservar a memória coletiva do muro por meio da arte.
O francês radicado em Berlim, Thierry Noir, foi o primeiro artista de street art a pintar no muro, produzindo a obra Homenagem à Nova Geração (ver galeria). Há pinturas de Jürgen Grosse, Dimitri Vrubel, Siegfrid Santoni, Bodo Sperling, Kasra Alavi e outros. Uma das mais famosas é o Beijo Fraternal (Bruderkuss), de Dmitri Vrubel, 1990, que reconstitui uma fotografia de Leonid Brezhnev, presidente da então URSS, e Erich Honecker, último presidente da RDA (1976-1989), tirada durante o 30º aniversário da fundação da Alemanha Oriental (ver galeria).
Desde 1991, a
East Side Gallery
é um monumento tombado pelo governo alemão. Atualmente,
é uma das atrações turísticas mais populares de Berlim.
NOTAS
East Side Gallery, Berlim, 2019
Considerada a maior galeria de arte ao ar livre do mundo
Fez de Berlim uma das principais capitais mundiais da street art
Foi idealizada em 1990 por duas associações de artistas alemães: a VBK e a BBK
São 105 pinturas de artistas de todo o mundo, no lado leste do muro de Berlim
Há obras de Jürgen Grosse, Dimitri Vrubel, Siegfrid Santoni, Bodo Sperling, Kasra Alavi e outros
Mais de 1,3 mil metros do Muro expõem grafites que lembram os dias da terrível divisão entre alemães
Thierry Noir, foi o primeiro artista de rua a pintar no muro. Suas obras podem ser vistas na galeria e em partes da parede espalhadas em Berlim
Entre os grafites mais famosos está este Trabant (carro usado na Alemanha Oriental) atravessando o muro
O famoso Beijo Fraternal (Bruderkuss), de Dmitri Vrubel, 1990, reconstitui uma fotografia de Leonid Brezhnev e Erich Honecker, durante o 30º aniversário da fundação da Alemanha Oriental
La Buerlinica, com as cores da bandeira alemã, homenageia a obra Guernica de Picasso, remetendo a dor do Muro ao sofrimento na guerra civil espanhola
Ao longo do tempo, as obras da galeria foram danificadas por intempéries e intervenções de turistas
Em 2009, uma ONG alemã iniciou um processo de restauração, que provocou polêmicas em torno de direitos autorais. Mas muitas obras foram restauradas
A construção do muro começou em 13 de agosto de 1961, estendendo-se em aproximadamente 160 km
O muro foi construído para impedir a migração de cidadãos de Berlim
Oriental para o lado ocidental
O governo da RDA queria evitar o contato dos cidadãos do lado oriental com o mundo capitalista
Também conhecido como Faixa da Morte, o muro tinha barricadas, holofotes, sinalização de alarme, minas e cercas eletrificadas
O Muro separou famílias, amigos e relacionamentos amorosos. Estima-se que pelo menos 140 pessoas foram mortas, entre moradores tentando escapar do lado oriental, guardas de fronteira e inocentes
Em 9 de novembro de 1989, a população iniciou um ato simbólico de derrubada do muro que desencadeou processos políticos no mundo. Em 1990, a Alemanha foi reunificada
O Portão de Brandemburgo (1791) é uma das antigas portas de entrada em Berlim. O monumento marcou a divisão entre o leste e o oeste da cidade e hoje é símbolo da reunificação
No topo do Portão de Brandemburgo, a escultura de Johann Gottfried Schadow compôe quatro cavalos guiados pela deusa romana Vitória
Título Original: Good Bye, Lenin!
Lançamento: 2003, Alemanha
Classificação: 12 anos
Gênero: Comédia dramática
Exibição: Claro Now
Sinopse: Uma mãe da Alemanha Oriental (RDA) infarta e entra em coma ao ver o filho em protesto contra o regime comunista. Um ano depois, ela acorda e o Muro de Berlim havia sido derrubado. Com medo de outro choque fatal, o filho faz de tudo para esconder da mãe que o regime mudou, o que rende momentos de comédia e drama na medida certa
Direção: Wolfgang Becker
Elenco: Daniel Brühl, Katrin Sass, Chulpan Khamatova, Florian Lukas
Prêmios: Prêmio de Cinema Alemão 2003 de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator, Melhor Roteiro, entre outros
Título Original: Werk ohne Autor
Lançamento: 2018, 2h18min, Alemanha
Classificação: 14 anos
Gênero: Drama
Exibição: Prime Vídeo
Sinopse: Três eras da história alemã são abordadas na jornada do jovem estudante de Arte, Kurt Barnert, e sua amada Ellie, filha de um médico nazista famoso que desaprova o relacionamento. O casal foge de Dresden e atravessa o Muro de Berlim, para viver na Alemanha Ocidental. Sob esses cenários, o desenvolvimento da arte de Kurt atravessa o ideário nazista, o realismo socialista da RDA e a arte abstrata no lado ocidental. Até o momento em que ele descobre a sua expressão, livre dos dogmas que o atormentam.
Direção: Florian Henckel von Donnersmarck
Elenco: Paula Beer, Tom Schilling, Sebastian Koch, Saskia Rosendahl, Oliver Masucci
Título Original: Chernobyl
Lançamento: 2019, EUA/ Reino Unido
Classificação: 16 anos
Gênero: Drama baseado em fatos reais
Exibição: HBO Max
Sinopse: Minissérie de cinco capítulos sobre o gravíssimo acidente nuclear na Usina de Chernobyl, na Ucrânia, em abril de 1986, ainda durante a existência da União Soviética. Bem recebida pelo público e pela crítica especializada, além dos dramas humanos, a produção aborda o rígido controle de informação e falta de transparência do estado soviético e do governo ucraniano, que tentaram amenizar a extensão e a gravidade do acidente.
Criação: Craig Mazin
Direção: Johan Renck
Elenco: Jared Harris, Stellan Skarsgård,
Prêmios: Na
71ª Cerimônia do Emmy Awards, venceu nas categorias de Melhor Minissérie, Melhor Direção e Melhor Roteiro
Título completo: 1989: O ano que mudou o mundo. A verdadeira história da queda do Muro de Berlim
Autor: Michael Meyer
Edição: 2009, 248 páginas
Editora: Zahar
Sinopse: Em 2009, vinte anos após a queda do Muro de Berlim, o então chefe da sucursal da Newsweek no Leste Europeu, Michael Meyer, narra neste livro os fatos que precederam a queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria. É o olhar de quem esteve presente nos locais onde a onda revolucionária de multidões levaram à derrocada do comunismo
Onde comprar: Amazon
MENTIRAS NADA INOCENTES
IStock/IPGGutenbergUKLtd
Por Guga Dorea
[1]
Publicado em 08
de julho de 2021
Notas e referências bibliográficas
Lipstadt, Deborah (2017) Denying the Holocausto: The Growing Assault on Truth and Memory (Negando o Holocausto: O Crescente Ataque à Verdade e à Memória), São Paulo, Universo dos Livros
Oreskes, N. e Conway, E. (2000) Merchants of doubt, Bloomsbury Publishing Estados Unidos, 2011
Schwarcz, L. M. e Starling, H. M. (2020) A Bailarina da Morte, São Paulo, Companhia das Letras
Palestras e documentários
Nota 1
Sobre os registros da disseminação do documento Os Protocolos dos Sábios de Sião, ver publicação em United States Holocaust Memorial Museum neste link
Nota 2
O espalhamento de mentiras e de negacionismo pode ocorrer por desinformação ingênua ou pela prática de misinformation (termo em inglês que define a intenção deliberada de propagar informação enganosa). A desinformação pode ser espalhada por boatos falsos, insultos ou pegadinhas. Já a desinformação deliberada ou misinformation é praticada por meio de embustes, spearphishing (golpes eletrônicos), fake news (mentiras), teorias de conspiração, propaganda, deepfakes, hoaxes, fraudes, photoshops e propagandas de difusão automatizada (bots ou robôs) nas redes sociais. O objetivo é gerar medo e desconfiança na população por meio de ferramentas de marketing e inteligência artificial voltadas à manipulação política ou ideológica.
Fontes: https://en.unesco.org/
dictionary.cambridge.org/
[1] Guga Dorea é jornalista e sociólogo, com mestrado e doutorado em Sociologia pela PUC-SP. Atua como investigador social e pesquisador na área da Filosofia da Diferença. É formador de professores para a inclusão, além de idealizador e desenvolvedor, desde 2012, da Oficina da Palavra e da Escrita Criativa Todos na Diferença para Pessoas com Deficiência, entre outras pessoas que queiram construir suas histórias de vida através da escrita. É também pai do Thiago, que tem a Síndrome de Down, e da Joyce. Nas horas vagas é poeta. É autor dos livros "Singularidades Poéticas" e "A Síndrome de Down como você nunca viu: relato profundo de um pai educador".
Nota: para entrar em contato com o autor ou adquirir seus livros, envie um e-mail para gugadorea57@gmail.com
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Na história moderna, sempre existiram fatos comprovados pela ciência e radicalmente negados por pessoas ou grupos. O velho negacionismo, porém, encontrou na realidade digital meios inéditos de propagação em massa de velhas teorias da conspiração e mentiras deliberadas (fake news). Os objetivos finais são diversos, mas os ataques à verdade surgem invariavelmente ligados a interesses econômicos e/ou políticos e até religiosos.
A história comprova. A negação dos efeitos nocivos do cigarro para a saúde, por exemplo, é sabidamente patrocinada pela indústria do tabaco (ver notas). Há muito tempo, grupos políticos e ideológicos utilizam teorias conspiratórias para disseminar o medo e o ódio a supostos inimigos, como fizeram os nazistas em relação aos judeus. Grupos religiosos também se aproveitam da boa fé alheia para ampliar ou manter o poder — e isso vem de longe.
No início da chamada Idade Moderna, avanços científicos foram negados pela Igreja Católica. Galileu Galilei, conhecido como “pai da física moderna” e “pai do método científico”, chegou a ser condenado pela Inquisição Romana (mais conhecida como Santo Ofício), no século XVI, quando o papa Paulo III combateu o protestantismo. Para não ser queimado na fogueira, Galileu foi obrigado a negar a sua tese sobre o Heliocentrismo.
O escritor, matemático, poeta e teórico da cosmologia, Giordano Bruno, que há 421 anos deu continuidade aos estudos de Galileu, também foi acusado de heresia e morto por ordem do Santo Ofício. Além de refutar a ideia de que a Terra era o centro do Universo, ele defendeu que havia um número incalculável de planetas girando em torno do Sol — teses negadas pela Igreja na época. Hoje, todo mundo sabe que Galileu e Giordano estavam corretos.
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Giordano Bruno foi acusado de heresia e morto no Campo Dei Fiori, praça em Roma onde foi erguida esta estátua em sua homenagem
Isso não quer dizer que a ciência seja imbatível. Basta ver o debate entre Nicolau Copérnico e Albert Einstein na física moderna. O primeiro defendeu a tese científica de que existe um tempo único e absoluto que todos devemos seguir. Já Einstein trouxe a concepção, também científica, do tempo relativo. Segundo ele, acreditar em um tempo absoluto é pura ilusão. Neste caso, atualizar estudos antigos é apenas um sinal de que a ciência simplesmente avança. Para o nosso bem.
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A Igreja Católica defendia o Geocentrismo de Ptolomeu desde o início da era cristã e punia por heresia os defensores do Heliocentrismo
O QUE É NEGACIONISMO
O termo "negacionismo" foi popularizado pelo historiador francês Henry Rousso, no final dos anos 1980, para denominar crimes de negação da existência do Holocausto. O pesquisador demonstrou que a rejeição à realidade é parte indistinta do horror nazista, e não apenas um fenômeno de revisionismo historiográfico paralelo.
Os negacionistas não concordam com esse termo e se autodenominam "revisionistas da História". Muitos defendem abertamente que o Holocausto foi uma farsa criada pelos próprios judeus, com o objetivo de propagandear a intenção geopolítica da criação do Estado de Israel. Outros dizem que o Holocausto não passa de invenções históricas dos Aliados da Segunda Guerra para demonizar os alemães.
É importante lembrar que, por trás do antissemitismo dos nazistas, está uma grande fake news
Em 1919, durante um de seus primeiros discursos gravados, Adolf Hitler descreveu uma “conspiração internacional de judeus, todos empenhados em enfraquecer e envenenar a raça ariana e extinguir a cultura alemã". Baseou-se, para isso, no documento apócrifo Protocolos dos Sábios de Sião, que teria circulado primeiramente na Rússia dos últimos czares e ganhou traduções e adaptações na Europa, EUA, América do Sul e Japão (ver notas).
Nos EUA, em 1920, o empresário Henry Ford, notório apoiador do nazismo, traduziu os tais protocolos e os publicou em capítulos no seu jornal, com o título O Judeu Internacional: o principal problema do mundo. O texto ganhou traduções para 16 idiomas e circulou nos meios de comunicação da época.
Firmando-se como veículo de massa na ocasião, o rádio foi tratado como meio ideal para propagar o ideário nazista e manter o controle da opinião no regime. Nesse cenário, Hitler e seu ministro da Propaganda, Joseph Goebbels, obtiveram êxito em espalhar a teoria conspiratória e cultivar o ódio antissemita no povo alemão. Até evoluir para a chamada "solução final" que culminou no Holocausto.
Infelizmente, a estrutura dessa teoria conspiratória da existência de uma elite oculta e global ressurgiu com força neste século, apenas substituindo os atores da conspiração — de judeus para comunistas. Com o agravamento de ser espalhada de forma massiva nas redes sociais digitais.
Por que as pessoas acreditam em teorias da conspiração? Talvez a crença na luta permanente entre o bem e o mal, inspirada por visões apocalípticas e pelo extremismo político de amplos espectros, consiga explicar um pouco do mecanismo que leva um cidadão comum a negar a história, a ciência e a realidade em troca da falsa segurança de ter desvendado "forças invisíveis" como inimigas de sua realização pessoal
Foto: Tema de Cinema
A realidade do Holocausto: no Campo de concentração de Sachsenhausen, em Oranienburg, Alemanha, lê-se a famosa frase nazista "o trabalho liberta"
NEGACIONISMO CLIMÁTICO
O chamado negacionismo climático também tem sido amplamente difundido, sobretudo nos EUA, por ultraconservadores e grupos ligados à indústria do petróleo, detentores de verbas bilionárias que rejeitam a tese do aquecimento global provocado pela ação humana.
No Brasil, sob influência dos EUA de Donald Trump, o olhar negacionista ganhou corpo no governo de Jair Bolsonaro, que agraciou políticos e apoiadores ideológicos com cargos públicos de importância nacional. Um deles, o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi um dos responsáveis pelo aumento do discurso anticientífico e pelo retrocesso na política ambiental — isso estando à frente da gestão da Amazônia, o maior e mais rico patrimônio da biodiversidade no mundo.
No âmbito da legislação, o atual governo rema perigosamente contra a maré do apelo nacional e internacional pela emergência de conter as emissões dos gases estufa no meio ambiente.
Nem toda a população brasileira concorda com o negacionismo climático, mas essa postura é amplamente defendida por grupos de terraplanistas, ruralistas, mineradores, grileiros e políticos vinculados ao autodenominado conservadorismo, sobretudo à extrema-direita.
Premiado em festivais internacionais, o curta metragem "Para onde foram as andorinhas?" dá voz aos índios do Parque Indígena do Xingu e mostra como as mudanças climáticas afetam suas vidas. Produzido pelo ISA e Instituto Catitu para a Conferência do Clima de Paris (COP-21), o filme está disponível na internet
NEGACIONISMO NA PANDEMIA
O discurso negacionista de Bolsonaro, ao contrário, foi se ampliando na medida que ocorria o aumento trágico do número de pessoas contaminadas, internações e mortes. Ao lado de mais de meio milhão de vidas perdidas, os brasileiros enfrentaram e ainda enfrentam um verdadeiro tsunami de mentiras e conspirações vindas de pessoas — a começar pelo próprio presidente da República — que afirmam publicamente que "o vírus não é tão perigoso assim" e que "o isolamento social é ato de covardes".
No livro A Bailarina da Morte, as historiadoras Lilia Schwarcz e Heloísa Starling observam que esse comportamento é muito semelhante à série de notícias falsas durante a Gripe Espanhola no Brasil, nos anos 1920. Assim como a cloroquina, divulgada e distribuída pelo governo Bolsonaro, os políticos da época difundiram o mesmo sal de quinino, usado no tratamento da malária, como cura na pandemia da gripe. Mais tarde, comprovou-se a ineficácia do medicamento (ver notas).
Vale observar, paralelamente, que o negacionismo é um comportamento complexo que tem origem na negação do "outro”, concebido como o “diferente”. Basta ver, mesmo antes das eleições, a postura homofóbica e misógina do presidente, além de seus discursos racistas contra negros, quilombolas e indígenas, bem como sua renitente negação da existência da ditadura militar no Brasil (1964 a 1984).
Por fim, as ações deliberadas de desinformação (ver notas), tanto de parte da população, como do próprio governo federal, em torno da negação da política de vacina e do isolamento social, como únicas formas de evitar o alastramento do vírus, levaram o Brasil ao trágico número de mais de 530 mil mortes pela COVID-19 — um preço incalculável pago pelos brasileiros vítimas da pandemia e do negacionismo no poder.
O filme Contágio, de Steven Soderbergh (2011), surpreende pela semelhança do roteiro com a pandemia de COVID-19 e mostra a ação de negacionistas, especuladores e falsos jornalistas em cima da tragédia. Assista ao trailer
Referências bibliográficas
Lipstadt, Deborah (2017) Denying the Holocausto: The Growing Assault on Truth and Memory (Negando o Holocausto: O Crescente Ataque à Verdade e à Memória), São Paulo, Universo dos Livros
Oreskes, N. e Conway, E. (2000) Merchants of doubt, ̳Bloomsbury Publishing Estados Unidos, 2011
Schwarcz, L. M. e Starling, H. M. (2020) A Bailarina da Morte, São Paulo, Companhia das Letras
Palestras e documentários
Nota
O espalhamento de mentiras e de negacionismo pode ocorrer por desinformação ingênua ou pela prática de misinformation (termo em inglês que define a intenção deliberada de propagar informação enganosa). A desinformação pode ser espalhada por boatos falsos, insultos ou pegadinhas. Já a desinformação deliberada ou misinformation é praticada por meio de embustes, spearphishing (golpes eletrônicos), fake news (mentiras), teorias de conspiração, propaganda, deepfakes, hoaxes, fraudes, photoshops e propagandas de difusão automatizada (bots ou robôs) nas redes sociais. O objetivo é gerar medo e desconfiança na população por meio de ferramentas de marketing e inteligência artificial voltadas à manipulação política ou ideológica.
Fontes: https://en.unesco.org/
dictionary.cambridge.org/
Referências bibliográficas
Lipstadt, Deborah (2017) Denying the Holocausto: The Growing Assault on Truth and Memory (Negando o Holocausto: O Crescente Ataque à Verdade e à Memória), São Paulo, Universo dos Livros
Oreskes, N. e Conway, E. (2000) Merchants of doubt, Bloomsbury Publishing Estados Unidos, 2011
Schwarcz, L. M. e Starling, H. M. (2020) A Bailarina da Morte, São Paulo, Companhia das Letras
Palestras e documentários
Conferência de Deborah Lipstadt "Por Trás da Negação do Holocausto", TEDxSkoll, Abril 2017, neste link
Documentário Mercadores da Dúvida, de Robert Kenner, Sony Pictures, 2014, neste link
Curta-metragem "Para onde foram as Andorinhas?, de
Mari Corrêa, produzido pelo ISA (Instituto Socioambiental) e Instituto Catitu, para a Conferência do Clima de Paris (COP-21), 2015,
neste link
Nota 1
Sobre os registros da disseminação do documento Os Protocolos dos Sábios de Sião, ver publicação em United States Holocaust Memorial Museum neste link
Nota 2
O espalhamento de mentiras e de negacionismo pode ocorrer por desinformação ingênua ou pela prática de misinformation (termo em inglês que define a intenção deliberada de propagar informação enganosa). A desinformação pode ser espalhada por boatos falsos, insultos ou pegadinhas. Já a desinformação deliberada ou misinformation é praticada por meio de embustes, spearphishing (golpes eletrônicos), fake news (mentiras), teorias de conspiração, propaganda, deepfakes, hoaxes, fraudes, photoshops e propagandas de difusão automatizada (bots ou robôs) nas redes sociais. O objetivo é gerar medo e desconfiança na população por meio de ferramentas de marketing e inteligência artificial voltadas à manipulação política ou ideológica Fontes: https://en.unesco.org/
dictionary.cambridge.org/
[1] Guga Dorea é jornalista e sociólogo, com mestrado e doutorado em Sociologia pela PUC-SP. Atua como investigador social e pesquisador na área da Filosofia da Diferença. É formador de professores para a inclusão, além de idealizador e desenvolvedor, desde 2012, da Oficina da Palavra e da Escrita Criativa Todos na Diferença para Pessoas com Deficiência, entre outras pessoas que queiram construir suas histórias de vida através da escrita. É também pai do Thiago, que tem a Síndrome de Down, e da Joyce. É autor dos livros "Singularidades Poéticas" e "A Síndrome de Down como você nunca viu: relato profundo de um pai educador".
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NEGACIONISMO NO CINEMA
No filme Negação (Denial), o cinema nos mostra que nem tudo é tão fácil para os negacionistas
Assista ao trailer legendado de Negação, 2017, Sony Pictures. O filme completo pode ser comprado no You Tube Movies
Em 1993, a historiadora Deborah Lipstadt, da Universidade Emory, de Atlanta (EUA), escreveu o livro Denying the Holocausto: The Growing Assault on Truth and Memory (Negando o Holocausto: O Crescente Ataque à Verdade e à Memória). Nessa obra, ela dedicou uma página sobre o historiador britânico David Irving, mostrando que ele interpretava de modo equivocado alguns documentos para provar a sua tese de que o número de judeus mortos pelos nazistas foi muito menor e que nenhum deles morreu nas câmaras de gás de Auschwitz, na Polônia.
Essa única passagem no livro de Lipstadt incomodou tanto que Irving processou por difamação a professora e a editora Penguin Books, que publicou o livro no Reino Unido.
Deborah, então, foi obrigada a provar nos tribunais que o holocausto existiu de fato. Em um julgamento que durou seis anos, finalizado em 2000, a historiadora passou de acusadora do negacionismo para sentar nas cadeiras de um tribunal como ré, acusada de estar mentindo sobre a atrocidade ocorrida na Alemanha Nazista. Obviamente, ela foi inocentada e esse episódio se transformou em uma grande derrota para os negacionistas.
Em 2017, a história do julgamento foi adaptada no filme Negação (Denial), com Rachel Weisz, vencedora do Oscar, no papel da protagonista Deborah Lipstadt. A obra é obrigatória para entender melhor estes tempos de ascensão de negacionistas no mundo, sempre com apoio de fake news nas redes sociais.
O cinema retratou a disputa nos tribunais entre Deborah Lipstadt e o historiador negacionista, David Irving, no filme Denial (Negação), inspirado no livro da professora sobre o julgamento
Em uma conferência ao TED (Technology, Entertainment and Design), em 2017 (ver referências), Lipstadt relatou as motivações que a levaram a investigar os autointitulados "revisionistas da história".
"Negadores são lobos em pele de cordeiro. Eles são os mesmos nazistas ou neonazistas de sempre. Mas, quando olhei para eles, não vi um uniforme da SS ou símbolos da suástica na parede. Em vez disso, encontrei pessoas desfilando como acadêmicos respeitáveis. Tudo o que precisávamos era descer um centímetro abaixo da superfície e lá estavam a mesma adulação a Hitler, o louvor ao Terceiro Reich, o antissemitismo, o racismo e o preconceito desfilando como discurso racional." (link em notas)
Assista ao trailer legendado de Negação, 2017, Sony Pictures. O filme completo pode ser comprado no You Tube Movies
FILMES E LIVROS SOBRE NEGACIONISMO
O negacionismo histórico e científico que avança no século 21 tem antecedentes. Um dos exemplos mais perturbadores é a negação do Holocausto. No Brasil, em 1904, a Revolta da Vacina contestou a imunização obrigatória contra a varíola conduzida pelo sanitarista Oswaldo Cruz. Na galeria, você confere as recomendações e links de filmes e livros sobre o tema.
GettyImages/CanvaPro/DNY59
ASSISTA: Negação (Denial), de Mick Jackson, 2017
ASSISTA: Contágio, de Steven Soderbergh, 2011
ASSISTA: Cercados, documentário, GloboPlay, 202
ASSISTA: Para onde foram as Andorinhas?, de Mari Corrêa, ISA e Instituto Catitu, 2015
ASSISTA: Mercadores da Dúvida, de Robert Kenner, 2015
LEIA: Negação (Denial: Holocaust History on Trial), de Deborah Lipstadt: o livro que inspirou o filme
LEIA: A Bailarina da Morte, de Lilia Schwarcz e Heloisa Starling, 2020
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Aktion T4: EUGENIA E EUTANÁSIA NA ALEMANHA NAZISTA
United States Holocaust Memorial Museum - Copyright: Public Domain
Castelo Hartheim, na Áustria, foi um dos centros de eutanásia do regime nazista
Por Guga Dorea
[1]
Publicado em 10 de junho de 2021
Confira os livros que abordam o A T4 ou inspiram filmes
[1] Guga Dorea é jornalista e sociólogo, com mestrado e doutorado em Sociologia pela PUC-SP. Atua como investigador social e pesquisador na área da Filosofia da Diferença. É formador de professores para a inclusão, além de idealizador e desenvolvedor, desde 2012, da Oficina da Palavra e da Escrita Criativa Todos na Diferença para Pessoas com Deficiência, entre outras pessoas que queiram construir suas histórias de vida através da escrita. É também pai do Thiago, que tem a Síndrome de Down, e da Joyce. Nas horas vagas é poeta. É autor dos livros "Singularidades Poéticas" e "A Síndrome de Down como você nunca viu: relato profundo de um pai educador".
Nota: para entrar em contato com o autor ou adquirir seus livros, envie um e-mail para gugadorea57@gmail.com
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[2] “Ernst Klee. Dokumente zur "Euthanasie", Frankfurt,1985
Há momentos em nossa História que jamais devem ser esquecidos. E o nazismo é um dos mais trágicos dessa lista. Porém, muito pouco se fala de um triste episódio, que ocorreu no transcorrer do Terceiro Reich. Estamos falando do conhecido como Aktion T4. Beirando a uma quase invisibilidade, trata-se de um programa de eugenismo e de eutanásia da Alemanha nazista, que previa o assassinato de pessoas consideradas “perigosas”.
O objetivo do AT 4 foi o de matar Pessoas com Deficiência ou, como foi chamado naquele período, pessoas com doenças mentais consideradas incuráveis ou com idades bem avançadas.
No Mein Kampf, Adolf Hitler escreveu que pessoas física e mentalmente inferiores poderiam perpetuar de forma hereditária a sua condição para as futuras gerações, transformando-se em um perigo para o que ele chamava de “raça pura ariana”.
Na prática, tudo começou no início de 1939, quando os pais de uma criança com cegueira e deficiência física, que nasceu nas proximidades de Leipzig, pediram permissão para assassinar seu filho, no que denominaram como sendo um "golpe de misericórdia".
Esse precedente abriu as portas para que Hitler criasse o “comitê do Reich para o registro cientifico de doenças hereditárias e congênitas”, liderado pelo medico Karl Brandt. Foi o ponta pé inicial para que o AT 4 começasse a ser colocado em prática, em outubro de 1939, com a assinatura do “decreto da eutanásia”.
O decreto foi o estopim que Hitler necessitava para criar o seu programa de aniquilamento de crianças com deficiência. Com a oficialização do AT 4, o ministério do Interior alemão passou a exigir que médicos e mesmo parteiras denunciassem todos os casos de recém-nascidos e de até 3 anos de idade, que apresentassem pequenos sinais de possíveis deficiências graves.
Entretanto, bastava que essas pessoas apresentassem pequenos sinais de “incapacidade” mental ou física para entrarem na lista de pessoas “perigosas”. No início, eram mortos bebês recém-nascidos. Com o tempo, entretanto, jovens de até 17 anos foram inseridos no programa de eutanásia de forma secreta.
CENTROS DE EXTERMÍNIO
O programa Aktion T4 foi uma triste realidade nos primeiros anos da guerra. O nome T4 era a abreviação de Tiergartenstraße 4, o endereço de uma casa no bairro Tiergarten em Berlim, que foi a sede do que no Brasil foi traduzido ironicamente como "Fundação de Caridade para Cuidados Institucionais".
Em linhas gerais, foram criados seis “centros psiquiátricos de extermínio”, para onde os alemães eram forçados a levar essas pessoas e entregá-las aos médicos nazistas para a realização da “limpeza étnica”. Além de microcefalia, hidrocefalia, malformações genéticas, surdez e cegueira, entre outras das intituladas deficiências, as pessoas com Síndrome de Down entraram na lista dos que deveriam ser aniquilados.
Nunca é demais dizer que essas pessoas eram chamadas na época de “idiotas mongoloides”, devido à semelhança física com o povo mongol, considerado na época como povo “inferior, primitivo e em estado regressivo de evolução”. Convém frisar que, naquela época, não havia sequer a distinção entre deficiência e doença mental. Essa distinção, talvez não por coincidência, só veio a acontecer após a Segunda Guerra Mundial.
National Archives and Records Administration, College Park - Copyright: Public Domain
Cópia de carta original assinada por Adolf Hitler autorizando o programa T4 (Eutanásia). No texto, o ditador nazista confere responsabilidades ao líder do Reich Philipp Bouhler e ao médico Ernst Brandt para ampliar a competência de alguns médicos na concessão da "morte de misericórdia" a pacientes considerados incuráveis
AÇÕES CLANDESTINAS
Para não correr o risco de manifestações populares contrárias ao programa, o próprio Hitler ordenava que o T4 não estivesse com a rubrica de sua chancelaria. Mesmo assim, ocorreram muitos protestos, a maioria orientada pela Igreja Católica Alemã. A oposição a essa crueldade foi tão forte que Hitler decidiu cancelar o projeto em 1941.
Entre 1939 e 1941, foram mortas mais de 70 mil pessoas. Mais tarde, entretanto, uma pesquisa [2] revelou que muitos médicos continuaram, de forma clandestina, com esse processo de eutanásia até a derrocada do Nazismo, em 1945.
O AT 4 ficou conhecido na História como o episódio que antecedeu ao conhecido como Holocausto. É importante frisar que essas ideias eugenistas não se iniciaram com o nazismo. Em muitos países ocidentais as ideias de esterilizar pessoas consideradas antissociais por questões genéticas já eram realidade desde o inicio do século 20, inclusive nos Estados Unidos. Só para citar um exemplo, já havia uma dinâmica de eugenia nas escolas americanas.
United States Holocaust Memorial Museum, courtesy of Hedwig Wachenheimer Epstein - Copyright: Public Domain
Karl Brandt (1904–1948) filiou-se ao Partido Nazista em 1932 e tornou-se médico pessoal de Adolf Hitler. Foi selecionado por Philipp Bouhler, chefe de gabinete da Chancelaria, para administrar o programa Aktion T4. Com o término da Segunda Guerra Mundial, Brandt foi acusado de crimes de guerra, incluindo experimentos em humanos. Foi formalmente indiciado em 1946 e levado à corte no julgamento conhecido como "processo contra os médicos" do Tribunal de Nuremberg. Condenado, Brandt foi sentenciado à pena de morte e enforcado em 2 de junho de 1948
CAPACITISMO NO BRASIL ATUAL
É muito comum escutarmos que a História jamais se repete, pelo menos não da mesma forma. No entanto, segundo o pensador e educador brasileiro, Paulo Freire, lembranças do passado são imprescindíveis para não serem repetidas no presente e podermos pensar em um futuro diferente.
Nesse contexto, queremos frisar que não se trata de afirmar que o atual governo brasileiro tenha pensado ou planejado atos desumanos como esses que ocorreram no triste período retratado neste artigo. Por outro lado, é fato que a máquina ideológica do atual governo federal aproximou-se temerosamente de ideias capacitistas ao tentar mudar por duas vezes a legislação em relação às Pessoas com Deficiência.
No dia 26 de novembro de 2019, o governo brasileiro lançou o Projeto de Lei 6.159/19 (felizmente não aprovado pelo Congresso Nacional), que eximia empresas de mais de 100 funcionários a cumprirem a Lei de Cotas (Lei 8213/91) em relação às Pessoas com Deficiência. Na proposta governamental, a empresa poderia, ao invés de contratar, destinar recursos para o governo investir em clínicas de reabilitação.
No caso do Brasil de 2021, seria trocar o direito ao trabalho pela ideia de que deficiência é sinônimo de doença e, portanto, é caso de clinicas de reabilitação e não de direitos iguais. Está nas entrelinhas desse projeto, a crença capacitista de que Pessoas com Deficiência são geneticamente inferiores e, portanto, incapazes de trabalhar.
O governo federal também lançou o Decreto-lei 10.502/2020, que previa a volta da chamada Educação Especial para Pessoas com Deficiência, em outra tentativa de retrocesso na luta por uma educação realmente inclusiva. O decreto foi barrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por se tratar de ato inconstitucional em relação à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996.
Barradas pela sociedade organizada, tais iniciativas aproximam o cenário do neoconservadorismo global, que inspira o governo brasileiro, do pressuposto segregacionista de que Pessoas com Deficiência são geneticamente inferiores para conviver harmonicamente em uma sociedade dita “normal”.
Caso fossem aprovadas, estaríamos retroagindo pelo menos 30 anos da luta de pais e educadores por uma escola e sociedade realmente inclusivas e democráticas. E andando para trás na história de forma bastante temerária.
A CONIVÊNCIA DE MÉDICOS E FUNCIONÁRIOS
United States Holocaust Memorial Museum - Copyright: Public Domain
Grupo de funcionários da Operação T-4 em uma reunião social
Usando uma prática desenvolvida para o programa de "eutanásia" infantil, em 1939, os planejadores do T4 distribuíram questionários a todos os funcionários de saúde pública, hospitais públicos e privados, instituições mentais e lares de idosos para doentes crônicos e idosos. A redação dos formulários e as instruções da carta de apresentação que os acompanhavam davam a impressão de que a pesquisa se destinava simplesmente a reunir dados estatísticos.
O propósito sinistro do formulário aparece, no entanto, na ênfase da incapacidade do paciente trabalhar e nas categorias que o inquérito exigia que as autoridades de saúde identificassem:
Sob o título de "especialistas" recrutados secretamente, os médicos — muitos de reputação significativa — trabalharam em equipes de três para avaliar os formulários. Com base em suas decisões iniciadas em janeiro de 1940, os funcionários do T4 começaram a remover pacientes selecionados de suas instituições de origem e a transferi-los ao programa de "eutanásia" .
Poucas horas depois da chegada aos centros de eutanásia, as vítimas morriam nas câmaras de gás, disfarçadas como chuveiros. Funcionários do T4 queimavam os corpos em crematórios anexados às instalações de gás. Outros trabalhadores pegavam as cinzas das vítimas cremadas de uma pilha comum e as colocavam em urnas para enviar aos familiares das vítimas. Os familiares ou tutores das vítimas recebiam a urna, juntamente com uma certidão de óbito e outros documentos, listando a causa fictícia e a data da morte.
Fonte: United States Holocaust Memorial Museum
Confira no quadro a seguir os números de mortos na Operação T4. Até 1941, com a autorização oficial de Hitler, mais de 70 mil pessoas morreram, entre elas muitas crianças. Na fase clandestina, de 1941 a 1945, estima-se mais de 250 mil mortos
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CHURCHILL CONTRA O NAZISMO
British Government, Public domain, via Wikimedia Commons
O primeiro-ministro britânico Winston Churchill e seu famoso sinal de vitória
Por Tema de Cinema - Publicado em 29 de março de 2021
Winston Leonard Spencer Churchill (1874-1965) teve uma vida intensa, repleta de aventuras e realizações importantes. Reconhecido como um dos políticos mais influentes do século 20, é impossível não associar sua imagem ao chapéu-coco (em inglês, bowler hat), ao inseparável charuto, à oratória brilhante e, principalmente, ao seu esforço pessoal para unir o mundo civilizado contra Hitler.
Descendente de família nobre, Churchill era jornalista, escritor, militar e político. Formou-se na Academia Militar de Sandhurst em 1895 e, por algum tempo, intercalou as carreiras de oficial militar e correspondente de guerra, com atuações em Cuba, Índia, Sudão e África do Sul.
Em 1900, aos 26 anos, foi eleito deputado na Câmara dos Comuns pelo Partido Conservador. Ocupou o cargo de Subsecretário das Colônias Britânicas e Comandante Supremo da Marinha. Em 1915, durante a Primeira Guerra Mundial, Churchill renunciou ao posto de comandante e serviu como voluntário oficial no front francês.
Finda a Primeira Guerra, de volta à Câmara dos Comuns, o político enfrentou com a monarquia os movimentos de independência nas colônias britânicas. Há relatos de que Churchill tinha posições supremacistas, racistas e eugenistas com relação aos povos nativos das colônias. Alguns biógrafos, no entanto, defendem o político relativizando suas opiniões no contexto da geração e da época em que foi educado e viveu (ver quadro abaixo).
Em 1939, Churchill iniciou a maior batalha de sua vida: a luta contra o nazismo. Após a invasão da Polônia pelas forças de Hitler, França e Inglaterra declararam guerra à Alemanha. O premiê entrou para o Gabinete de Guerra e voltou ao comando supremo da Marinha. Em maio de 1940, assumiu o cargo de Primeiro-Ministro. Em seu primeiro discurso, na Câmara dos Comuns, pronunciou uma de suas mais célebres frases: "Nada tenho a oferecer senão sangue e trabalho, suor e lágrimas" .
Vale destacar que, muito antes de ser primeiro ministro, Churchill já antevia a ameaça por trás da ascensão de Hitler. Em 1932, após viagem à Alemanha, ele alertou na Câmara dos Comuns: “Todos esses bandos de jovens teutônicos, marchando pelas ruas e estradas da Alemanha, com a luz do desejo em seus olhos para sofrer por sua pátria, não estão procurando status. Eles estão procurando armas”.
Churchill era reconhecido por uma oratória brilhante e muito dessa virtude contribuiu para a união do povo britânico contra a ascensão de Hitler. Ele também teve papel fundamental na entrada dos EUA na Segunda Guerra, a partir de sua aproximação pessoal com o então presidente americano Franklin Delano Roosevelt.
O premiê morreu em Londres, em 24 de janeiro de 1965. Seu funeral teve honras de Estado e contou com a presença da rainha Elizabeth, ao lado de líderes de mais de 100 países e mais de 320 mil pessoas. O velório durou três dias.
CanvaPro/GettyImages/A330Pilot
Sede do Parlamento Britânico onde Churchill proferiu vários de seus famosos discursos. À direita, o icônico Big Ben, instalado em 1859
CHURCHILL FOI FLEXÍVEL
COM HITLER?
Churchill é considerado um herói em sua luta contra o nazismo, mas também é alvo de críticas por expressões e atitudes racistas e supremacistas em relação às colônias britânicas.
No livro Guerra Secreta de Churchill (Churchill's Secret War), a jornalista indo-americana Madhusree Mukerjee defende que, ao mesmo tempo que Churchill se opôs à barbárie dos nazistas, ele governou a Índia com a determinação de reprimir seus movimentos de independência, expressando notório desprezo pelas vidas nativas.
Segundo a autora, decisões do político inglês, entre 1940 e 1944, levaram direta e indiretamente à morte pela fome de cerca de 3 milhões de indianos. Mukerjee afirma, ainda, que este número deve ser corrigido para cima, para mais de 5 milhões de pessoas.
O que ela chama de fome "criada pelo homem" na Índia tornou-se uma catástrofe humana que poderia ter sido evitada se Churchill não se recusasse a ceder navios disponíveis na Austrália para levar sobras de cereais para a região de Bengala. A fome de 1943 que devastou a Índia durante um ano raramente é mencionada na história britânica.
No livro O Destino de uma Nação, o escritor, pesquisador e roteirista neozelandês Anthony McCarten relata que, em pelo menos duas ocasiões, Churchill, disse que não faria objeções a negociações com Hitler se o ditador alemão fizesse algumas concessões. 'Será que Churchill considerava seriamente entrar em conversações de paz com um maníaco homicida que ele abominava mais do que qualquer outra pessoa? Parece que sim', afirma McCarten.
O fato é que existem transcrições de debates no Gabinete de Guerra em que Churchill teoriza sobre cessão de territórios em favor de algum tipo de paz com os nazistas. Mas, ao que tudo indica, a tolerância do premiê explodiu em fúria contra o nazismo assim que Hitler mostrou suas garras imperialistas.
VERSÃO MAIS RECENTE
Em 2020, o aclamado jornalista e escritor britânico Erik Larson publicou o livro Entre o Esplêndido e o Vil, após 55 anos da morte de Winston Churchill, com um relato do primeiro ano do então primeiro-ministro do Reino Unido. Nesse período, entre maio de 1940 e maio de 1941, Londres e outras cidades britânicas estiveram sob ataque massivo das forças aéreas nazistas, a Luftwaffe, anunciando uma provável invasão das tropas de Hitler no território britânico. Nos bombardeios comandados por Hitler, cerca de 45 mil britânicos foram mortos.
Em linguagem de ficção, Larson faz um relato histórico e do cotidiano familiar do ex-premiê com base em documentos originais de arquivos, relatórios de espionagem outrora secretos, diários e cartas. À frente do cenário de terror permanente, o escritor apresenta as virtudes de Churchill ao tomar para si as missões de manter a nação unida e convencer o presidente americano, Franklin Roosevelt, a se aliar na luta contra Hitler.
Em plena pandemia, este livro pode nos devolver um pouco de esperança para ultrapassar crises aparentemente insolúveis, desde que existam lideranças políticas responsáveis e uma sociedade engajada na construção do próprio futuro. No mais, os mais terríveis pesadelos sempre têm um fim.
IStock/sjhaytov
Em 2020, manifestantes antirracistas vandalizaram a estátua de Churchill na Praça do Parlamento em Londres (foto), na qual escreveram a frase "ele era racista". O atual primeiro-ministro, Boris Johnson, protestou nas redes sociais e disse que os britânicos não devem tentar censurar, ou editar o passado: “Sim, ele às vezes expressou opiniões
que eram e são inaceitáveis para nós hoje,
mas ele era um herói e merece plenamente seu memorial", defendeu
Pequenos gestos que salvam vidas
Em tempos de pandemia, vale lembrar o significado do Espírito de Dunkerque, uma expressão britânica da Segunda Guerra que representa o senso público fortalecido por pequenos gestos para superar tempos de adversidade e obstáculos aparentemente intransponíveis.
Em junho de 1941, cerca de 1,2 mil pequenos barcos voluntários navegaram até a praia de Dunkerque, na fronteira franco-belga, e ajudaram a resgatar 338.226 soldados ingleses e aliados, que estavam ilhados em mar raso pelas tropas de Hitler. Do total, 80 mil soldados foram transportados pelas pequenas embarcações até os navios de grande porte ancorados em alto mar.
Após a operação de resgate, Churchill disse que a perspectiva de uma trágica derrota transformou-se em um “milagre de libertação".
O Espírito de Dunkerque permanece vivo como sentimento de nação no Reino Unido e tem tudo para nos inspirar no enfrentamento da Covid-2019. Pequenos gestos, grandes atitudes e todos juntos em busca do porto seguro.
Conheça a história, assista ao filme e leia o livro indicados por Tema de Cinema. Inspire-se!
Imperial War Museum Photograph Archive/ Unknown author
/Public domain, via Wikimedia Commons
Dunquerque 1940
Imagem de um destróier francês
Bourrasque, carregado com tropas de ingleses e aliados, afundando no mar de Dunkerque, em 30 de maio de 1940
ESPÍRITO DE DUNKERQUE
A batalha na fronteira franco-belga inspirou a expressão "Espírito de Dunquerque", que passou a significar o espírito público fortalecido para superar tempos de adversidade e obstáculos aparentemente intransponíveis. Os ingleses utilizam o conceito até hoje, quase 80 anos após a batalha da Segunda Guerra.
Mais do que uma expressão idiomática britânica, o conceito representa o "triunfo do espírito humano". Retrata, portanto, a esperança, a solidariedade e a perseverança em situações impossíveis que exigem o mais alto grau de comprometimento com a pátria, a vida e a humanidade.
Na união de voluntários civis ao esforço oficial de resgate dos soldados ilhados por Hitler em Dunkerque, a perspectiva de uma trágica derrota transformou-se em um “milagre de libertação", como definiu Churchill após a operação. Para os ingleses, a vitória teve sabor amargo em função das perdas humanas e materiais, mas também se perpetuou como um ato heroico por representar a coragem coletiva de toda uma nação.
O filme Dunkirk (2017), de Christopher Nolan, retrata um dos episódios mais marcantes da história de Churchill contra o nazismo. A Batalha de Dunkerque ou Dunkirk (em inglês) ocorreu em junho de 1940, início da Segunda Guerra, na cidade portuária de mesmo nome às margens do Canal da Mancha, na fronteira da França com a Bélgica.
Hitler já havia mostrado suas intenções expansionistas e bélicas, aliando-se a ao ditador italiano Benito Mussolini e anexando a Áustria e a Tchecoslováquia em 1938.
A guerra ainda não tinha envolvido todas as nações aliadas, ocupadas com seus próprios conflitos ou temerosas de outro desastre como o da Primeira Guerra. Em 1939, Hitler invadiu a Polônia e, em abril de 1940, a Dinamarca e a Noruega.
Em maio de 1940, todos os sinais de alerta foram acionados no mundo: a “guerra relâmpago” (blitzkrieg), típica dos nazistas, dirigiu seu alvo a Paris, na França. Em cinco dias, as tropas de Hitler conquistaram a Holanda, deixando franceses e ingleses cada vez mais acuados. Depois, invadiram a Bélgica e foram em direção a Calais, na França, cercando um grande número de aliados.
A Batalha de Dunkerque durou de 25 de maio a 4 de junho de 1940, quando mais de 400 mil soldados das forças britânica e francesa ficaram encurralados por uma divisão panzer alemã contra a costa na fronteira franco-belga. Surpreendentemente, as divisões de Hitler não avançaram por 36 horas.
Segundo historiadores, aviões nazistas tentaram impedir o trabalho na costa, enquanto pilotos britânicos, canadenses e poloneses lutaram para manter o céu desimpedido. Estima-se que, durante a Batalha de Dunkerque, 394 aviões alemães foram abatidos, contra 114 dos aliados.
Como o resgate em terra dos soldados acontecia em uma praia de águas rasas, grandes navios não podiam se aproximar da costa. Foi então que o almirantado inglês deu início à Operação Dínamo, com o objetivo inicial de resgatar pelo menos 45 mil soldados. A estratégia consistiu na convocação pela Marinha Britânica de voluntários, para que cruzassem o Canal da Mancha com embarcações civis e participassem do resgate.
Num feito surpreendente, cerca de 1,2 mil pequenos barcos pesqueiros e de passeio, iates, rebocadores, botes salva-vidas, lanchas, cargueiros, chatas e barcaças navegaram até a praia e transportaram os soldados em pequenos grupos até os navios maiores posicionados em alto-mar. A Operação Dínamo resgatou 338.226 homens, número muito além da expectativa inicial. Do total, 80 mil soldados foram transportados por barcos pequenos, em grupos de seis a 200 pessoas.
No dia 4 de junho, Churchill disse que Dunkerque foi “um milagre”, alertando, contudo, que “guerras não se vencem com evacuações”. Lamentou a perda de vidas e de equipamentos do exército inglês e exaltou a atitude dos civis e a bravura das tropas, exaltando o “Espírito de Dunkerque” (ver quadro). Na sequência, substituiu os equipamentos perdidos e se aproximou do presidente americano, Franklin D. Roosevelt. Em 14 de junho, apenas 18 dias após Dunkerque, Paris foi tomada pelos nazistas.
ESPÍRITO DE DUNKERQUE
A batalha na fronteira franco-belga inspirou a expressão "Espírito de Dunquerque", que passou a significar o espírito público fortalecido para superar tempos de adversidade e obstáculos aparentemente intransponíveis. Os ingleses utilizam o conceito até hoje, quase 80 anos após a batalha da Segunda Guerra.
Mais do que uma expressão idiomática britânica, o conceito representa o "triunfo do espírito humano". Retrata, portanto, a esperança, a solidariedade e a perseverança em situações impossíveis que exigem o mais alto grau de comprometimento com a pátria, a vida e a humanidade.
Na união de voluntários civis ao esforço oficial de resgate dos soldados ilhados por Hitler em Dunkerque, a perspectiva de uma trágica derrota transformou-se em um “milagre de libertação", como definiu Churchill após a operação. Para os ingleses, a vitória teve sabor amargo em função das perdas humanas e materiais, mas também se perpetuou como um ato heroico por representar a coragem coletiva de toda uma nação.
MARIE CURIE, A MULHER QUE MUDOU O MUNDO
Frame do filme Radioactive, Netflix
Frame do filme Radioactive, Netflix
Por Tema de Cinema - Publicado em 17 de abril de 2021
"Cada pessoa deve trabalhar para o seu aperfeiçoamento e, ao mesmo tempo, participar da responsabilidade coletiva por toda a humanidade.”
Marie Curie
Marie Curie, nascida Maria Sklodowska, foi a primeira mulher a ganhar um Prêmio Nobel e até hoje a única a ganhar dois prêmios Nobel em duas áreas científicas distintas — em 1903 por suas pesquisas em radiação e, em 1911, por descobrir o polônio e o rádio.
Além de todos os prêmios, Marie Curie foi a primeira mulher a se tornar professora na Universidade de Sorbonne e a primeira a ser homenageada com um enterro no
Panthéon, mausoléu no centro de Paris contendo os restos mortais dos mais honrados e ilustres cidadãos franceses. Sua filha,
Irène Joliot-Curie, repetiu o feito da mãe e ganhou o prêmio Nobel em 1935.
A cientista nasceu em Varsóvia, na Polônia, em 7 de novembro de 1867. Filha de um professor de Física e Matemática e de uma pianista, com dez anos ficou órfã de mãe. Teve educação geral em escolas locais e algum treinamento científico do pai. Na juventude, Marie se envolveu em uma organização revolucionária de estudantes e achou prudente deixar Varsóvia, então parte da Polônia dominada pela Rússia czarista.
Com 17 anos, Marie começa a trabalhar como governanta e professora para pagar os estudos da irmã mais velha. Depois de formada em Medicina, a irmã ajudou Marie a realizar seu sonho de estudar na Sorbonne.
Em 1891, ela foi para Paris e, para pagar os estudos na universidade, viveu em um sótão com poucos recursos até para se alimentar. Em 1893 graduou-se em Física e, em 1894, em Matemática. Foi a primeira colocada no exame para o mestrado em Física e, no ano seguinte, ficou em segundo lugar no mestrado em Matemática.
Em 1894, quando preparava sua tese de doutorado, Marie conheceu Pierre Curie, professor da Escola de Física especializado em pesquisas elétricas e magnéticas. No ano seguinte, eles se casaram e trabalharam juntos nas pesquisas, muitas vezes realizadas em condições difíceis, com arranjos de laboratório precários.
No início da parceria, o casal constatou que o tório, assim como o urânio, também emitia radiações. Trabalhando em um porão cedido pela Sorbonne, verificaram que certos minerais de urânio, especialmente a pechblenda (mineral de óxido de urânio), procedente das minas de Joachimstal, na Boêmia, tinham radiações mais intensas que o correspondente teor em urânio, devido à presença de elementos ainda desconhecidos.
A descoberta da radioatividade por Henri Becquerel, em 1896, inspirou os Curie em suas pesquisas e análises brilhantes que levaram ao isolamento do polônio — que leva o nome do país de nascimento de Marie — e do rádio. Com essas pesquisas, Pierre, em particular, verificou que a radiação podia matar células de tecido doente, ou seja, iniciou o estudo da radioterapia contra o câncer.
UMA VIDA PELA CIÊNCIA
Em 1900, Marie Curie foi convidada para lecionar física na École Normale Supérieure, em Sévres, enquanto Pierre era indicado para conferencista na Sorbonne. Em 1903, o casal ganhou o Prêmio Nobel de Física junto com Henri Becquerel por suas descobertas no campo ainda novo da radioatividade.
Em 1904, Pierre foi nomeado professor da Sorbonne e Marie assumiu o cargo de assistente-chefe do laboratório dirigido por seu marido. Em 1905, Pierre Curie foi eleito para a Académie des Sciences. Em abril de 1906, ele morreu tragicamente atropelado por um veículo puxado por cavalos. Pouco antes de completar um mês da morte do marido, Marie foi indicada para substituí-lo, tornando-se a primeira mulher a ocupar uma cadeira na Sorbonne e a primeira mulher a ocupar tal cargo na França.
Ao longo de sua vida, Marie promoveu o uso do rádio e se dedicou pessoalmente a esse trabalho de remediação para aliviar o sofrimento de soldados durante a Primeira Guerra Mundial, sempre assistida por sua filha, Irène. Suas descobertas ajudaram a França no conflito, principalmente na área médica: ela própria dirigia ambulâncias em direção a campos de batalha para instruir militares no uso de equipamentos de raios-X, que auxiliavam na remoção de balas e estilhaços.
A cientista manteve seu entusiasmo pela ciência ao longo da vida e trabalhou para estabelecer um laboratório de radioatividade em sua cidade natal. Em 1929, o presidente dos EUA Herbert Hoover presenteou-a com US$ 50 mil doados por amigos americanos da ciência, para comprar rádio e usá-lo no laboratório em Varsóvia.
Madame Curie, como era chamada, é descrita com perfil quieto, digno e despretensioso. Tida em alta estima e admiração por cientistas de todo o mundo, foi membro do Conseil du Physique Solvay, de 1911 até sua morte, e desde 1922, do Comitê de Cooperação Intelectual da Liga das Nações. Seu trabalho está registrado em vários artigos em revistas científicas. É autora de Recherches sur les Substances Radioactives (1904), L'Isotopie et les Éléments Isotopes e o clássico Traité 'de Radioactivité (1910). Em 1911, a cientista ganhou um segundo Prêmio Nobel, desta vez em Química, em reconhecimento ao seu trabalho na radioatividade.
Marie Curie morreu em 4 de julho de 1934, aos 66 anos, em Savoy, França, vítima de leucemia. Seus órgãos vitais estavam comprometidos devido às constantes exposições à radioatividade sem nenhuma proteção. Até hoje, cadernos de anotação e outros materiais dos Curie só podem ser manuseados e estudados com proteção, pois estão altamente contaminados pela radiação.
Fonte: parte deste texto foi retirado de
Nobel Lectures, 1901-1921, Elsevier Publishing Company, Amsterdã, 1967; Autobiografia /biografia escrita e publicada na série
Les Prix Nobel/ Copyright © The Nobel Foundation 1903
Henri Manuel, Public domain, via Wikimedia Commons
Nascida Maria Sklodowska, a cientista mudou a grafia do nome de Maria para Marie quando se mudou para França e ingressou na Universidade de Paris-Sorbonne, em 1891
Einstein encoraja Marie
a sobreviver aos
DETRATORES
Muito antes das redes sociais, os haters já existiam na época de Marie Curie, ou seja, no século passado. Aos 38 anos, ela já era viúva do físico Pierre Curie, com quem teve duas filhas. Após a morte do marido, a cientista teve um caso amoroso com seu sócio mais jovem e casado, Paul Langevin, aluno de Pierre, que provocou indignação da esposa traída e ocupou as primeiras páginas dos tabloides franceses. Os editoriais hipócritas e raivosos sobre Curie ser uma destruidora de lares e uma desgraça para a França quase abafaram a notícia de que ela havia sido nomeada ao Prêmio Nobel pela segunda vez.
Como primeira mulher a ganhar um Nobel, ela pleiteava uma vaga na Academia de Ciências da França. Seus detratores, no entanto, questionavam a entrada de uma mulher na tradicional academia e começaram a espalhar o boato de que ela era judia e não poderia se candidatar a uma vaga na instituição.
Neste período turbulento, Marie recebeu uma carta datada de 23 de novembro de 1911 de Albert Einstein, na época com 32 anos, que lhe enviou as seguintes palavras de apoio:
"Muito estimada Sra.Curie,
Não ria de mim por lhe escrever sem ter nada de sensato a dizer. Mas estou tão furioso com a maneira vil com que o público se atreve a se preocupar com você, que devo absolutamente dar vazão a esse sentimento. No entanto, estou convencido de que você sempre despreza essa ralé, seja ela obsequiosamente esbanjando respeito sobre você ou tentando saciar seu desejo pelo sensacionalismo! Sinto-me impelido a dizer-lhe o quanto comecei a admirar o seu intelecto, a sua determinação e a sua honestidade, e que me considero afortunado por tê-lo conhecido pessoalmente em Bruxelas. Qualquer um que não esteja entre esses répteis certamente está feliz, agora como antes, que tenhamos entre nós personagens como você, e Langevin também, pessoas reais com quem se sente o privilégio de estar em contato. Se a ralé continuar a se ocupar com você, então simplesmente não leia essa besteira, mas deixe-a para o réptil para o qual foi fabricada.
Com os mais amigáveis cumprimentos a você, Langevin, e Perrin, sinceramente,
A. Einstein
P.S. Eu determinei a lei estatística do movimento da molécula diatômica no campo de radiação de Planck por meio de um espírito cômico, naturalmente sob a restrição de que o movimento da estrutura segue as leis da mecânica padrão. Minha esperança de que essa lei seja válida na realidade é muito pequena, no entanto."
Marie Curie, nascida Maria Sklodowska, foi a primeira mulher a ganhar um Prêmio Nobel e até hoje a única a ganhar dois prêmios Nobel em duas áreas científicas distintas — em 1903 por suas pesquisas em radiação e, em 1911, por descobrir o polônio e o rádio.
Além de todos os prêmios, Marie Curie foi a primeira mulher a se tornar professora na Universidade de Sorbonne e a primeira a ser homenageada com um enterro no
Panthéon, mausoléu no centro de Paris contendo os restos mortais dos mais honrados e ilustres cidadãos franceses. Sua filha,
Irène Joliot-Curie, repetiu o feito da mãe e ganhou o prêmio Nobel em 1935.
A cientista nasceu em Varsóvia, na Polônia, em 7 de novembro de 1867. Filha de um professor de Física e Matemática e de uma pianista, com dez anos ficou órfã de mãe. Teve educação geral em escolas locais e algum treinamento científico do pai. Na juventude, Marie se envolveu em uma organização revolucionária de estudantes e achou prudente deixar Varsóvia, então parte da Polônia dominada pela Rússia czarista.
Com 17 anos, Marie começa a trabalhar como governanta e professora para pagar os estudos da irmã mais velha. Depois de formada em Medicina, a irmã ajudou Marie a realizar seu sonho de estudar na Sorbonne.
Em 1891, ela foi para Paris e, para pagar os estudos na universidade, viveu em um sótão com poucos recursos até para se alimentar. Em 1893 graduou-se em Física e, em 1894, em Matemática. Foi a primeira colocada no exame para o mestrado em Física e, no ano seguinte, ficou em segundo lugar no mestrado em Matemática.
Em 1894, quando preparava sua tese de doutorado, Marie conheceu Pierre Curie, professor da Escola de Física especializado em pesquisas elétricas e magnéticas. No ano seguinte, eles se casaram e trabalharam juntos nas pesquisas, muitas vezes realizadas em condições difíceis, com arranjos de laboratório precários.
No início da parceria, o casal constatou que o tório, assim como o urânio, também emitia radiações. Trabalhando em um porão cedido pela Sorbonne, verificaram que certos minerais de urânio, especialmente a pechblenda (mineral de óxido de urânio), procedente das minas de Joachimstal, na Boêmia, tinham radiações mais intensas que o correspondente teor em urânio, devido à presença de elementos ainda desconhecidos.
A descoberta da radioatividade por
Henri Becquerel,
em 1896, inspirou os Curie em suas pesquisas e análises brilhantes que levaram ao isolamento do polônio — que leva o nome do país de nascimento de Marie — e do rádio. Com essas pesquisas, Pierre, em particular, verificou que a radiação podia matar células de tecido doente, ou seja, iniciou o estudo da radioterapia contra o câncer.
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Pierre e Marie Curie recusaram-se a patentear o rádio, pois a cientista acreditava que era um elemento químico que pertencia ao povo. Com a supervalorização do rádio no começo do século 21, o casal sequer tinha dinheiro para comprar o produto e continuar suas pesquisas
Lucien Chavan / ETH Zürich, Public domain, via Wikimedia Commons
Marie Curie e Albert Einsten (mais jovem na foto) conheceram-se em uma conferência em Bruxelas que reuniu a nata científica europeia. A partir de então, tornaram-se bons amigos e correspondentes
UMA VIDA PELA CIÊNCIA
Em 1900, Marie Curie foi convidada para lecionar física na École Normale Supérieure, em Sévres, enquanto Pierre era indicado para conferencista na Sorbonne. Em 1903, o casal ganhou o Prêmio Nobel de Física junto com Henri Becquerel por suas descobertas no campo ainda novo da radioatividade.
Em 1904, Pierre foi nomeado professor da Sorbonne e Marie assumiu o cargo de assistente-chefe do laboratório dirigido por seu marido. Em 1905, Pierre Curie foi eleito para a Académie des Sciences. Em abril de 1906, ele morreu tragicamente atropelado por um veículo puxado por cavalos. Pouco antes de completar um mês da morte do marido, Marie foi indicada para substituí-lo, tornando-se a primeira mulher a ocupar uma cadeira na Sorbonne e a primeira mulher a ocupar tal cargo na França.
Ao longo de sua vida, Marie promoveu o uso do rádio e se dedicou pessoalmente a esse trabalho de remediação para aliviar o sofrimento de soldados durante a Primeira Guerra Mundial, sempre assistida por sua filha, Irène. Suas descobertas ajudaram a França no conflito, principalmente na área médica: ela própria dirigia ambulâncias em direção a campos de batalha para instruir militares no uso de equipamentos de raios-X, que auxiliavam na remoção de balas e estilhaços.
A cientista manteve seu entusiasmo pela ciência ao longo da vida e trabalhou para estabelecer um laboratório de radioatividade em sua cidade natal. Em 1929, o presidente dos EUA Herbert Hoover presenteou-a com US$ 50 mil doados por amigos americanos da ciência, para comprar rádio e usá-lo no laboratório em Varsóvia.
Madame Curie, como era chamada, é descrita com perfil quieto, digno e despretensioso. Tida em alta estima e admiração por cientistas de todo o mundo, foi membro do Conseil du Physique Solvay, de 1911 até sua morte, e desde 1922, do Comitê de Cooperação Intelectual da Liga das Nações. Seu trabalho está registrado em vários artigos em revistas científicas. É autora de Recherches sur les Substances Radioactives (1904), L'Isotopie et les Éléments Isotopes e o clássico Traité 'de Radioactivité (1910). Em 1911, a cientista ganhou um segundo Prêmio Nobel, desta vez em Química, em reconhecimento ao seu trabalho na radioatividade.
Marie Curie morreu em 4 de julho de 1934, aos 66 anos, em Savoy, França, vítima de leucemia. Seus órgãos vitais estavam comprometidos devido às constantes exposições à radioatividade sem nenhuma proteção. Até hoje, cadernos de anotação e outros materiais dos Curie só podem ser manuseados e estudados com proteção, pois estão altamente contaminados pela radiação.
Fonte: parte deste texto foi retirado de
Nobel Lectures, 1901-1921, Elsevier Publishing Company, Amsterdã, 1967; Autobiografia /biografia escrita e publicada na série
Les Prix Nobel/ Copyright © The Nobel Foundation 1903
Henri Manuel, Public domain, via Wikimedia Commons
Nascida Maria Sklodowska, a
cientista polonesa mudou a grafia do nome de Maria para Marie quando se mudou para França e ingressou na Universidade de Paris-Sorbonne, em 1891
Fonte de Netuno no Palácio de Versalhes
Por Tema de Cinema
Publicado em 15 de julho de 2021
Foto: Tema de Cinema
Hyacinthe Rigaud, Public domain, via Wikimedia Commons
Retrato de Luís XIV, feito pelo pintor francês Hyacinthe Rigaud e exposto no Museu do Louvre. Repleta de símbolos e elementos decorativos, esta pintura é a representação iconográfica do absolutismo de origem divina mais reproduzida pelos soberanos europeus
Foto: Tema de Cinema
Uma das principais atrações do Palácio de Versalhes, a Galeria dos Espelhos foi construída em 1678, no reinado de Luís XIV. São 17 arcos revestidos com espelho que refletem 17 janelas viradas para o jardim. Cada arco contém 21 espelhos, num total de 357
Hyacinthe Rigaud, Public domain, via Wikimedia Commons
Luís XV, o Bem Amado, destacou a França no plano intelectual e das artes. Casado com Marie Leszczyńska, de origem polonesa, teve várias amantes. Entre elas, a mais popular e influente foi Madame de Pompadour. O retrato também foi criado por Hyacinthe Rigaud
Foto: Tema de Cinema
Antes de Versalhes, o edifício do Museu do Louvre, em Paris, servia de residência oficial dos monarcas francesas. Foi no antigo palácio que Luís XIV herdou o reino aos cinco anos de idade, em 1643, após a súbita morte do pai, Luís XIII
A construção do Palácio de Versalhes representou um marco na história do Absolutismo francês, sob os reinados da Casa de Bourbon. O rei Luís XIV (1643-1715), apelidado de “Rei Sol” e “O Grande”, personificou todas as características desse modelo político em sua famosa frase “O Estado sou Eu”.
Fortalecido e centralizado na figura do rei, o Estado Absolutista concentrou poderes nos séculos XVI e XVII, em meio ao cenário da Reforma e da Europa devastada por guerras civis e religiosas, que opunham católicos a protestantes luteranos e calvinistas. Na oposição ao Absolutismo, representantes do Iluminismo, como Montesquieu, defendiam a transferência de poder da figura do rei para os cidadãos, que seriam representados por instituições harmônicas nos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo.
Para se afastar da turbulência social e política que ameaçava as monarquias europeias, Luís XIV decidiu construir o Palácio de Versalhes a partir de 1664. Além de expressar a opulência de seu reino, o monarca viu uma oportunidade de transferir o centro administrativo de Paris para o novo palácio, protegendo a corte dos tumultos, dos olhares do povo e das epidemias da época. A base da ambiciosa construção foi um pequeno castelo usado como casa de caça por seu pai, Luís XIII.
Para controlar e evitar divisões entre os súditos, o rei convidou membros da nobreza a morar no luxuoso palácio. Um privilégio para poucos, enquanto o povo padecia com altos impostos, fome e doenças.
Luís XIV era católico e acreditava no direito divino dos monarcas. Em seu reinado, foram criadas regras de etiqueta rebuscadas para distanciar e diferenciar os nobres dos plebeus
Para o historiador Peter Burke, um palácio "é a expressão de seu proprietário, uma extensão de sua personalidade, um meio para sua autorrepresentação". Em Versalhes, diz Burke, via-se Luís XIV "por toda parte, até no teto". Seus campos possuem cerca de 1.400 fontes e muitas esculturas de bronze. O Grand Canal, um lago de quase de 2 Km de comprimento, foi projetado para refletir o pôr do sol. A área do palácio hoje é de 63 mil metros quadrados, o que equivale a 15 campos de futebol. São 2.300 cômodos, 2.143 janelas, 352 lareiras e 67 escadas.
Uma das contribuições mais importantes de Luís XIV para o Palácio de Versalhes foi a Galerie des Glaces, ou o Salão dos Espelhos (ver foto). Concluída em 1684, a galeria é equipada com 357 espelhos criados por mestres vidreiros de Veneza. As vidraças refletem e destacam as molduras douradas do salão, as paredes de mármore, os lustres de cristal e as grandes janelas do jardim. Vale lembrar que, muito mais tarde, em 1919, o Salão dos Espelhos sediou as reuniões do Tratado de Versalhes, assinado pelas potências europeias e que encerrou oficialmente a Primeira Guerra Mundial.
Tanta suntuosidade e distância da vida real talvez tenha influenciado a trajetória de Luís. Católico, o rei considerava os protestantes como potenciais rebeldes. Revogou, então, o
Édito de Nantes, um tratado que dava liberdade de culto na França. A medida autoritária provocou a ira dos Estados europeus protestantes e um êxodo de nobres e burgueses huguenotes (da linha calvinista), que partiram para a Holanda ou Inglaterra.
Conflitos religiosos também interferiram no relacionamento do monarca com o papado.
No reinado de Luís XIV, a França liderou as potências europeias e participou de três guerras: a Franco-Holandesa, a dos Nove Anos e a da Sucessão Espanhola. Seu reinado durou 72 anos — o mais longo da história. Morreu alguns dias antes de completar 77 anos e foi sucedido por seu bisneto de cinco anos de idade, Luís XV. Todos os outros herdeiros morreram antes do novo rei.
De salto alto
Há uma curiosidade: conta-se que o Rei Sol tinha apenas 1,60 m de altura e adotou calçados de salto alto que aumentavam a sua estatura. Assim, o acessório passou a ser amplamente utilizado na corte de Luís XIV, que abusava do luxo, das perucas e vestes suntuosas. O rei decretou que somente os nobres tinham autorização para usar saltos vermelhos — cor utilizada na monarquia para representar poder e nobreza.
Antoine-François Callet, Public domain,
via Wikimedia Commons
O pintor Antoine-François Callet retratou Luís XVI, o último monarca da França, deposto na Revolução Francesa. Após excessos em Versalhes e decisões erradas, o rei e a rainha Maria Antonieta foram executados em 1793
Foto: Tema de Cinema
Jardins do Palácio de Versalhes: 43 km de corredores, 300 estátuas, 55 fontes. Levou 40 anos para ser construído e teve 30 mil operários trabalhando em suas obras
LUÍS XV, O BEM AMADO
Embora não fosse o Delfim (herdeiro natural do trono), o jovem Luís XV cresceu sob tutela e recebeu uma excelente educação, que resultou em seu apreço pelas artes e ciências. Em seu reinado, realizou várias construções e reformas no palácio, entre elas a Bacia de Netuno nos jardins (ver foto).
Aos 15 anos, Luís XV casou-se com
Marie Leszczyńska, filha do rei deposto da Polônia,
Stanisław I. Em 1729, sua esposa deu à luz uma criança do sexo masculino. O nascimento de um herdeiro, esperado por muito tempo, foi recebido com alegria e tornou Luís XV um rei popular.
Admirado por iniciativas culturais, o monarca, no entanto, é visto por historiadores como um dos governantes menos eficazes da Casa de Bourbon. Sob seu reinado, a França viveu vários reveses diplomáticos, militares e econômicos, bem como passou por instabilidade ministerial e perdas de possessões coloniais.
Mulheres também de salto
O salto alto nos calçados adotado por Luís XIV ficou realmente conhecido no reinado de Luís XV, que popularizou o seu uso na corte. Inicialmente restrito aos homens, o hábito se espalhou entre as mulheres de Versalhes e, mais tarde, representou um sinal de rebeldia feminista. A moda do Salto Luís XV perdura até a contemporaneidade. O estilo Luís XV também influencia até hoje a arquitetura, a decoração e a pintura.
LUÍS XVI, O ÚLTIMO REI
Luís XVI (1754-1793) sucedeu o avô Luís XV e tornou-se Rei de França e Navarra de 1774 a 1792. Foi coroado aos 19 anos. Casou-se em 1770 com Maria Antônia Josefa Joana de Habsburgo-Lorena, a icônica Maria Antonieta, filha de Francisco I do Sacro Império Romano-Germânico, e da imperatriz Maria Teresa da Áustria, numa combinação para estreitar os laços entre os dois países, inimigos históricos.
No início de seu reinado, Luís XVI tentou reformar o sistema político da França com base nos ideais iluministas, que incluíam medidas para abolir a servidão, remover o imposto sobre as terras e aumentar a tolerância aos protestantes. Mas a nobreza francesa opôs-se com tenacidade às mudanças, contribuindo para o aumento do descontentamento da população com a monarquia.
Em 1776, Luís XVI apoiou ativa e financeiramente os colonos norte-americanos na luta pela independência da Inglaterra — posteriormente realizada no Tratado de Paris de 1783. Para conter a dívida e a crise financeira geradas por suas decisões, o rei simplesmente aumentou os impostos e fez explodir a impopularidade do Antigo Regime entre as classes baixa e média.
A falta de representatividade no poder de plebeus, pobres ou burgueses levou aos protestos inspirados pelas ideias de liberdade, igualdade e fraternidade — que curiosamente haviam triunfado na América com apoio do monarca francês. A oposição à aristocracia e à monarquia absoluta alcançou níveis irreversíveis, que culminaram na tomada da Bastilha em 1789, durante os distúrbios em Paris que deflagaram a Revolução Francesa.
Em cenário de guerra civil interna e conflitos internacionais, o rei foi preso na insurreição de 10 de agosto de 1792. Um mês depois, a monarquia constitucional foi abolida e, em 21 de setembro, foi proclamada a Primeira República Francesa.
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Retrato de Luís XIV exposto no Museu do Louvre. Repleta de símbolos, a pintura do francês Hyacinthe Rigaud traz elementos representativos do absolutismo de origem divina, que inspirou os retratos de outros soberanos europeus e até de Dom Pedro I do Brasil
Retrato de Luís XIV, feito pelo pintor francês Hyacinthe Rigaud e exposto no Museu do Louvre. Repleta de símbolos e elementos decorativos, a pintura é a representação iconográfica do absolutismo de origem divina mais reproduzida pelos soberanos europeus
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Luís XV, o Bem Amado, destacou a França no plano intelectual e das artes. Casado com Marie Leszczyńska, de origem polonesa, o monarca teve várias amantes. A mais popular e influente delas foi Madame de Pompidour
Luís XV, o Bem Amado, destacou a França no plano intelectual e das artes. Casado com Marie Leszczyńska, de origem polonesa, teve várias amantes. Entre elas, a mais popular e influente foi Madame de Pompadour. O retrato também foi criado por Hyacinthe Rigaud
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Retratado pelo pintor Antoine-François Callet, Luís XVI sucedeu o avô Luís XV e reinou de 1774 até 1792, durante a Revolução Francesa. Foi executado com sua rainha consorte, Maria Antonieta, em 1793
O pintor Antoine-François Callet retratou Luís XVI, o último monarca da França, que reinou de 1774 até 1789, quando eclodiu a Revolução Francesa. Após anos de excessos em Versalhes e decisões erradas, o rei e a rainha Maria Antonieta foram executados em 1793
Por Tema de Cinema
Publicado em 15 de julho de 2021
Nove meses após a execução do rei Luís XVI da França, a rainha Maria Antonieta fez o mesmo caminho rumo à guilhotina, em 1793. De origem austríaca, casou-se com Luís aos 14 anos, para fortalecer a aliança entre os reinos. Em um período de crise econômica na França, viveu de maneira extravagante e incentivou o marido a resistir à reforma da monarquia. A Revolução Francesa interrompeu a vida de excessos da monarca de forma trágica.
Maria Antonieta foi a última rainha da França. Em 16 de outubro de 1793, ela vestiu roupas simples e foi guilhotinada. Na foto, pintura de Elisabeth Vigée Le Brun, a artista oficial da monarca
Maria Antonieta foi a última rainha da França. Em 16 de outubro de 1793, ela vestiu roupas simples e foi guilhotinada. Na foto, pintura de Elisabeth Vigée Le Brun, a artista oficial da monarca
"Se não têm pão, que comam brioches", teria dito Maria Antonieta ao saber que os camponeses franceses não tinham pão para comer. Alguns historiadores, contudo, não confirmam a autenticidade da frase e atribuem-na a versões da luta política dos revolucionários, que consideravam a rainha perdulária e insensível.
Maria Antonieta (1755-1793), de origem austríaca, casou-se aos 14 anos com Luis XVI de Bourbon, herdeiro do trono da França, em 1770, para fortalecer e proteger as monarquias. Circulou pela corte com o príncipe, adaptando-se às regras de etiqueta e relacionamentos entre os nobres, até tornar-se rainha da França cinco anos depois do casamento.
No início de seu reinado, Maria Antonieta era respeitada pela população, que apostava em sua benevolência para melhorar a situação de miséria no país deixada por Luís XV.
A última rainha da França era lançadora de moda, uma mulher inquieta e contestadora. Chocou a corte e o povo ao vestir calças, até então exclusivas dos homens. Em vez de espartilhos pesados, usava peças leves, coloridas e fluidas
Durante sete anos, o casal não teve filhos e isso provocou desconfiança e boatos entre os súditos sobre a fertilidade da rainha. Nesse período, Maria Antonieta usufruiu do luxo e do clima de romances, intrigas, bailes, óperas e festas que embalavam a corte em Versalhes.
O clima de insatisfação, no entanto, agravou-se após Maria Antonieta assinar um contrato que favorecia seu irmão, então imperador da Áustria. A rainha passou, então, a ser chamada de "A Austríaca" pela corte francesa. Junto aos comentários sobre sua esterilidade e as gastanças da corte, ela foi apontada como traidora da França.
Em 1778, finalmente nasceu a primeira herdeira do casal, Maria Teresa Carlota. Três anos depois, para júbilo do rei e da nação, a rainha deu à luz a Luís José — o tão desejado sucessor ao trono. Mesmo com a alegria pelo nascimento do Delfim, o povo circulava panfletos satíricos que questionavam a paternidade da criança.
Maria Antonieta teve quatro filhos: Maria Teresa Carlota de França, Luís de França (futuro rei Luís XVII), Sofia Helena Beatriz de França e Luís José, Delfim de França.
A ALDEIA DA RAINHA
A maternidade e o cansaço com as intrigas da corte deram a Maria Antonieta o desejo de um estilo de vida mais despojado e natural. Assim, em 1781, a rainha mudou-se para o Petit Trianon, um palácio campestre que ganhara de presente do marido e que servira de residência às duas amantes de Luís XV: Madame de Pompadour e Madame de Barry.
Com área de 960 mil m², o Petit Trianon tornou-se o refúgio particular de Maria Antonieta. No local, ela criou uma aldeia com casinhas repletas de flores, que atraía principalmente as mulheres para o convívio com a rainha. O palácio mantinha estábulo, curral, celeiro, leiteria e hortas que permitiam levar produtos frescos para a mesa real.
A desejada "vida simples" de Maria Antonieta, no entanto, durou pouco tempo: três anos após sua mudança para o Petit Trianon , aconteceu a tomada da Bastilha e, em seguida, a Revolução Francesa.
Diante da revolta do povo contra a monarquia, ela e o rei tentaram fugir para a Áustria em 1791, mas foram capturados pelos revolucionários e levados de volta a Paris. Em 21 de janeiro de 1793, Luís XVI foi levado à morte na guilhotina, em Paris.
Confinada na Torre do Templo e chamada pejorativamente de a "viúva Capeto", Maria Antonieta caiu em profunda depressão e sua saúde deteriorou-se rapidamente. Viveu vários meses na Torre com a filha Maria Teresa, a cunhada Isabel e o filho Delfim Luís XVII.
Após uma tentativa frustrada de fuga, em 16 de outubro de 1793, a rainha foi guilhotinada vestindo roupas simples como queria. Maria Antonieta foi a última rainha da França. Sua filha Maria Teresa foi a única criança real a sobreviver.
Élisabeth Louise Vigée Le Brun, Public domain, via Wikimedia Commons
Maria Antonieta com seus filhos. Pintura de Elisabeth Vigée Le Brun, 1787
Unknown author, Public domain, via Wikimedia Commons
Cena da Revolução Francesa em gravura anônima do século XVIII
Unknown author, Public domain, via Wikimedia Commons
Pintura da execução de Maria Antonieta, na Place de la Revolution , atual Place de la Concorde. Os corpos da rainha e de Luís XVI foram enterrados em vala comum e cobertos por cal. Posteriormente, foram transferidos para o Cemitério de Madeleine, hoje Praça Luis XVI
VERSÕES DO CINEMA
Em 2006, a cineasta Sofia Coppola lançou o filme Marie Antoinette , com grande parte da produção rodada no Palácio de Versailles sob autorização do governo francês. A diretora optou por uma abordagem mais pop da rainha, baseada no livro de Antonia Fraser, que produziu uma biografia com versão mais humanizada da rainha.
No filme, a menina de apenas 14 anos é apresentada como uma adolescente ingênua que servia ao pesado jogo político das cortes envolvidas. Num ambiente frívolo e dominado por intrigas palacianas, Maria Antonieta sentia-se isolada e criou um mundo paralelo, capaz de dar suporte à convivência com os nobres e o marido, retratado como frio e introspectivo.
Sem afeto e sobrecarregada pelos deveres reais, Maria Antonieta reinventa o seu próprio mundo, longe da realidade da corte e do povo, o que a torna ainda mais impopular entre os franceses. Seu cotidiano aparece envolvido em festas, bailes, discussões sobre tecidos para vestidos e uso de perucas impressionantes.
No filme, a famosa declaração "que comam brioches" é contestada pela própria rainha, que acusa uma notícia falsa, fruto da intriga dos revolucionários. Marie Antoinette é uma das recomendações de TEMADECINEMA.
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